5.11.11

do amor incondicional

aqueles oito dias serviram para comprovar, mais uma vez, que quando há amor não há distância. pode haver falta de afecto expresso em palavras, mas há gestos que marcam e mostram mais do que qualquer frase escrita ou falada. houve mensagens de telemóvel e telefonemas constantes de preocupação que diziam "não estás sozinha" mesmo que na verdade apenas dissessem "bom dia. estás melhor?", houve bolachas casadas de chocolate, quantas mais eu pedisse, mais havia, sem nunca me dizerem que não, vindas das mercearias das várias terriolas até à chegada ao hospital. se na Figueira estava em casa, então em Coimbra em casa estive porque não houve quilómetros a mais que impedissem as visitas preocupadas e de sorriso aberto. tive um domingo cheio: rodeada daqueles que mais gosto, imensos ali para me ver. uns calados, outros faladores, traziam as novidades de fora ainda que a televisão já fosse uma companhia nos últimos dias. houve bolachas milka, maltesers, chocolates gigantes milka, bolachas de chocolate, com pepitas, com creme, redondas e de todos os feitios. houve também maçãs reineta, broa e bolo de batata. houve queijadas de pereira. e pasteis de nata. houve rosas, revistas, livros, pijamas novos de algodão. e a vontade incansável de tentar levar a casa a um hospital. os beijos e os abraços nas vozes trémulas que queriam sair seguras e convictas mas que tinham medo, tal como eu. houve lágrimas nas horas em que as visitas terminavam, houve sofrimento enquanto os dias não passavam e as notícias boas não chegavam. mas depois também houve alegria na hora da saída e no regresso a casa. as relações reforçam e os laços ficam mais fortes. e continuou a haver visitas e mensagens e telefonemas, todos os dias. as pessoas esquecem-se da importância que têm para os outros e há actos que se revelam, ainda mais, nestes momentos porque parece que o resto do tempo andamos distraídos, ou não queremos ver certas coisas. percebi que só quem está comigo quem quer estar, que não é preciso avisar, telefonar e colocar cartazes. quem se interessa e quem gosta está sempre connosco, aparece e deixa a sua marca. houve desilusão, houve também muita surpresa, essa em maior quantidade, felizmente. continuo a achar que só se consegue estar num hospital com uma dose exagerada de chocolate, todos os dias. odiei os olhares de pena de todas as pessoas estranhas que viam uma jovem num meio daqueles. gostei daqueles que me quiseram proteger e afastar de certas realidades. e também gostei de ensinar uma enfermeira a fazer arroz solto de forma infalível. ah, também gostei de ser tradutora de uma enfermeira estagiária sueca em erasmus, enfermeira essa que mais tarde me fez o pior catéter da minha vida. de uma enfermeira de sobrancelhas pintadas que me perguntava se a quantidade de comida era suficiente para mim, enquanto me fazia festinhas na cara. da enfermeira que me recebeu na enfermaria e foi o primeiro e único jantar em que tive direito a gelatina. gostei da preocupação das auxiliares em manterem a minha cama quente e aconchegante porque os Covões são um sítio extremamente gelado, especialmente à noite. estas coisas abanam a nossa vida mas ainda bem que tenho comigo as pessoas certas para me segurarem. agora bebo religiosamente os meus dois litros de água por dia e rezo para que esta história tenha um final feliz.

4 comentários:

sophia disse...

"quando há amor não há distância" e as frases ou gestos mais simples que transmitem tanto... é mesmo isso! que lindo post. Ainda bem que estás melhor, que tiveste mais surpresas que desilusões e que estiveste sempre rodeada de pessoas (e coisas) boas

J. disse...

obrigada :) estes ultimos dias finalmente comecei a sentir-me melhor! obrigada sophia :)

ana disse...

Espero que fiques melhor e que tudo não tenha passado de um susto.
Um beijinho. :)

http://digamquevoei.blogspot.com/

Cat disse...

Deus permita que fiques melhor e bem rápido J. Quero-te bem. Beijão enorme meu amor*